Valdemir Mota de Menezes
"O governo americano começou um programa ultrassecreto: formar um
exército de paranormais. Um batalhão de homens capaz de usar o
sobrenatural como arma de guerra. É o Projeto Stargate." Esse trecho
poderia terminar com um "Só aqui. No Sony Entertainment Television". Mas
não. Não é ficção. Existiu mesmo um Projeto Stargate no Exército dos
EUA. E a ideia realmente era montar um batalhão sobrenatural. Um
batalhão de gente com talento para prever o futuro e usar a
clarividência para fazer espionagem, enxergando através de paredes e
coisas assim. Primeiro eles testavam entre os soldados quais teriam mais
perfil de paranormal. Cientistas da Universidade Stanford faziam testes
nos homens. Não, não era nada surreal. Mas testes simples, como pedir
que o sujeito adivinhasse que carta de baralho você está escondendo aí
na mão. Então pegavam os que acertavam mais (quer dizer, os que erravam
menos) e faziam mais testes. Até filtrar um grupo de gente que realmente
parecia ter algum sexto sentido. Essas pesquisas duraram mais de 20
anos e consumiram US$ 20 milhões. E o mais intrigante: deram resultado.
Agora, cuidado. Você está prestes a cruzar uma fronteira. Ao virar a
página você vai cair num lugar onde paranormais prestam serviços à
indústria e se afirmam com ajuda da ciência. Um lugar além da
imaginação: a realidade.
Era 1977. Militares dos EUA queriam saber o que os russos estavam
construindo num galpão misterioso, que os satélites americanos tinham
flagrado em algum lugar no norte da antiga URSS. Sem ter como espionar a
coisa do jeito tradicional, chamaram um dos soldados que mais tinham se
destacado nos testes do Projeto Stargate, o especialista em "visão
remota" Joseph McMoneagle. Mostraram a foto do galpão e ele sentenciou:
estavam construindo um submarino. Os oficiais não acreditaram. Parecia
absurdo, já que a construção ficava a quase um quilômetro da água, um
lugar pouco propício para fazer um submarino. Mas Joseph disse que em 4
meses sairia um de lá. E acertou.
O Stargate durou até 1995, quando o governo Clinton pôs fim ao programa,
que considerou caro para poucos resultados. Mas não foi a primeira nem a
última vez em que os paranormais foram levados a sério por instituições
sérias. Seus serviços continuam requisitados, e em áreas até mais
inusitadas que a espionagem militar.
Profissão: paranormal
Sabe aquela cigana que vem ler sua mão ou as videntes de bola de cristal
dos desenhos do Pica-Pau? Esqueça. A paranormalidade está mais do que
nunca no mundo da normalidade mesmo. Na polícia, na medicina, no
marketing...
É o caso da americana Noreen Renier. Ela é uma detetive paranormal de
verdade, que já participou da investigação de mais de 600 casos. A
polícia da Flórida e o FBI estão entre os que costumam consultá-la. Já
ajudou a encontrar assassinos foragidos, crianças sequestradas e até um
avião desaparecido.
Às vezes, a sensitiva apenas sonha com as pistas que depois relata à
polícia. Outras vezes, lança mão da psicometria: o sensitivo pega algum
objeto do morto e, a partir dele, recolhe informações sobre a vítima e
tenta se colocar no lugar dela na hora do crime. Depois, relata o que
acha serem detalhes do crime à polícia - como o local onde o corpo está
enterrado ou o nome do assassino.
Outro profissional do além é Joseph McMoneagle, aquele do submarino.
Esse resolveu ir aonde está o dinheiro: se especializou em trabalhar
para empresas. Vivendo isolado em seu sítio nas montanhas da Virgínia,
onde mora com a mulher e 6 gatos, o sensitivo fundou a própria firma de
consultoria e cobra US$ 250 por hora de trabalho. "Geralmente levo pouco
mais de duas horas para enxergar alguma coisa", diz. McMoneagle diz que
"vê" quais são os melhores terrenos para companhias de mineração
comprarem, por exemplo. E atua em tecnologia também. "Há uns 15 anos uma
empresa me perguntou em qual produto deveria investir. Não posso
revelar o nome do cliente, mas recomendei que apostasse no mercado de
livros eletrônicos", diz. Além de ter antevisto o Kindle em 1994
(acredite... se quiser), McMoneagle trabalha há 9 anos em um experimento
inusitado, pra dizer o mínimo: ele está tentando construir uma máquina a
partir de imagens vindas do futuro. "Não sei dizer o que a máquina faz
ainda. Só vou tentando enxergar as peças uma a uma por visão remota e
montando o aparato. Um dia saberemos o que é."
Enquanto você espera, conheça os novos médicos paranormais. "Novos"
porque os velhos, como os Doutores Fritz da vida, já deram o que tinham
que dar (veja no quadro à direita). A novidade aqui é um grupo de
sensitivos brasileiros, do Distrito Federal, que não tenta fazer curas,
mas se diz capaz de diagnosticar doenças. Câncer, enfisema, úlcera e
problemas circulatórios são algumas das que eles dizem enxergar além dos
limites do corpo.
Para testar essas habilidades, uma pesquisa em andamento na Universidade
de Brasília acompanha os diagnósticos que uma equipe de sensitivos está
dando a pacientes do Hospital Universitário. Depois, o pessoal vai
bater os resultados com os dos exames de verdade para ver se alguma
coisa coincide. Cada participante tem apenas 10 minutos na sala com o
paciente, sob a vigilância dos pesquisadores. E o paranormal não pode
tocá-lo nem se comunicar com ele. "Esperamos responder se esse tipo de
percepção extrasensorial funciona", diz o físico Álvaro Tronconi,
coordenador do experimento. "Se a porcentagem de acertos for acima do
esperado pelas probabilidades, vamos investigar como essas pessoas
chegam aos diagnósticos e se existem semelhanças entre os métodos que
nos permitam estabelecer algum tipo de padrão", diz.
Não estranhe esse casamento entre ciência e ocultismo. Existe quase um
século de pesquisas sérias sobre clarividência, telepatia, capacidade de
mover objetos com o pensamento e tudo o mais que você possa chamar de
paranormal - ou parapsicológico, como preferem os pesquisadores.
Cientistas de várias áreas se dedicam a estudar os fenômenos da
parapsicologia (ou fenômenos "psi", para encurtar). E, embora nunca
tenha havido uma prova por A mais B de que eles existam mesmo, os
resultados de algumas dessas experiências são surpreendentes. E podem
indicar que talvez exista mesmo algo mais entre o céu e a Terra.
Evidências científicas
A paranormalidade começou a virar ciência com o psicólogo Joseph B.
Rhine, o Einstein desse campo. Ele fundou o primeiro laboratório
dedicado ao assunto, nos anos 30. E não era num fundo de quintal, mas
numa grande universidade dos EUA, a Duke. A ideia de Rhine era criar um
método para testar telepatia e clavidência. Como? Com o tipo de teste
que o Projeto Stargate acabaria adotando depois: a coisa de adivinhar
cartas de baralho. Um voluntário ia colocando cartas na mesa e outro
tentava adivinhar o naipe dela - sem ver nada, claro. Metódico, Rhine
fazia o máximo para evitar qualquer forma de comunicação entre os dois,
como colocá-los em prédios diferentes.
Logo de início, Rhine já encontrou efeitos que parecem mais do que
simples coincidência. O baralho, na verdade, tinha 5 naipes (e não 4
como os comuns). Isso significa que a chance de acertar era de 20%. Bom,
de 800 tentativas, cada voluntário acertou, em média, 207 cartas. E o
esperado para o chute puro era que acertassem só 160 (ou 20% de 800).
Como explicar um resultado tão fora do comum?
Isso intrigou muita gente. Afinal, alguma forma de telepatia podia
servir como explicação até para coincidências do dia-a-dia. Sabe quando
você está pegando o telefone para ligar para alguém, o telefone toca
e... é a pessoa? Então. Os experimentos de Rhine podiam ser o primeiro
passo para desvendar isso.
A curiosidade foi crescendo. A ciência da parapsicologia também. Logo
apareceram testes que prometiam mais exatidão. Como a bizarra técnica de
Ganzfeld - "campo total", em alemão. Utilizada desde os anos 70,
consiste em fazer com que voluntários recebam imagens telepáticas
transmitidas por outra pessoa que assiste a vídeos em outra sala. No
final, os voluntários escolhem 1 entre 4 imagens apresentadas. Quem
acertar o que o colega tentou transmitir da outra sala, marca um ponto.
A diferença desse teste em relação ao de adivinhar cartas é que o
"receptor" fica num ambiente controlado, o tal "campo total", que
supostamente aumentaria seu poder de concentração: deitado, ouvindo um
som monótono (tipo estática de TV) e com olhos vendados por duas metades
de uma bola de pingue-pongue, que transformam o mundo em uma grande
mancha branca. Os resultados? Como nos experimentos de Rhine, são
consistentemente melhores do que as estatísticas previam.
Essas experiências provam que a telepatia existe? Bom, isso vamos
analisar melhor depois. Por enquanto, fiquemos com uma experiência cujo
resultado é ainda mais surreal.
O cientista por trás agora é Garret Moddel, um físico da Universidade do
Colorado que segue a trilha aberta por Joseph Rhine. Seu objeto de
pesquisa: a capacidade de mover objetos com a mente, ou telecinesia. A
princípio seria algo fácil de detectar: bastaria pedir que vários
autoproclamados paranormais fizessem uma cadeira levitar. Se ninguém
conseguisse, nunca, estaria tudo resolvido: a telecinesia não existe e
pronto. Só que Moddel, por motivos mais do que óbvios, sabia que não
adiantaria fazer isso. Ele imaginava que a mente pode ter algum efeito
sobre o mundo exterior. Não sobre a matéria, já que nunca houve registro
de alguém que movesse algo com a força do pensamento. Mas sobre a
energia. Então resolveu testar a telecinesia usando raios luminosos.
Entre 2006 e 2007 Moddel usou um canhão de luz e uma chapa de vidro para
testar sua ideia. A chapa, em condições normais, deixava 92% da luz
passar e refletia 8%. "Quando os voluntários olhavam para a luz
desejando que ela fosse mais ou menos refletida, os medidores
eletrônicos detectaram, sim, uma mudança sutil nos índices de reflexão"
afirma Moddel. E põe sutil nisso: ela pulou de 8% para 8,005%. Mas de
novo: mesmo assim é algo que, em tese, está fora da nossa capacidade de
compreensão.
Se telecinesia e telepatia já são aberrações para a ciência, o que dizer
de consciência fora do corpo? Edward Kelly, psiquiatra da Universidade
da Virgínia, acha que não. E pede que seus pacientes identifiquem
objetos que teriam visto em lugares distantes enquanto faziam suas
"viagens" extrasensoriais. O objetivo principal de Kelly é medir o
comportamento do cérebro dos sujeitos enquanto eles dizem ter esse tipo
de experiência. Mas só o fato de ele também pesquisar se a coisa
acontece mesmo já é insólito o bastante.
Insólito como o estudos do psicólogo Daryl Bem. Ele pesquisa a
existência de premonições em seu laboratório, na Universidade Cornell.
Para verificar se dá mesmo para prever o futuro, ele fez o seguinte:
numa primeira etapa, colocou 100 estudantes voluntários para tentar
memorizar uma lista de 48 palavras. Cada uma aparecia na tela do
computador por 3 segundos. Depois, eles tinham de escrever numa lista as
palavras de que se lembravam. Até aí, nada de mais. Mas a segunda parte
revelou algo aterrador. Depois que os voluntários já tinham feito suas
anotações, o computador escolhia aleatoriamente 24 palavras daquelas 48 e
colocava na tela. Aí, surpresa: a coincidência entre os números que o
micro escolhia e aqueles de que as pessoas se lembravam era grande
demais para ser ignorada. Em outras palavras: isso indicava que, de
alguma forma, um evento do futuro (a seleção aleatória que o computador
faria) afetava a memória dos voluntários.
Não podia ser mais estranho: a chance de que existissem naturalmente
tantas coincidências quanto o experimento mostrava era pífia: de 1 em
111. "Isso é o equivalente a jogar uma moeda 7 vezes seguidas e acertar
cara ou coroa em todas elas", diz Daryl Bem. Alguma coisa tinha de estar
por trás disso.
Disso e de tudo o mais que envolva paranormalidade. Dizer que ela está
"além da imaginação" e pronto não adianta. Metade da física está "além
da imaginação". E está certa. A mecânica quântica, por exemplo, ensina
que existem partículas capazes de ficar em dois lugares ao mesmo tempo. E
não são excentricidades loucas. Você mesmo é feito dessas partículas.
Em outra frente, a da física que explica a geometria do espaço e do
tempo, está provado que o tempo da forma como o percebemos simplesmente
não existe. "A distinção entre passado, presente e futuro é uma ilusão,
ainda que persistente", disse Einstein.
Se o mundo da física moderna é praticamente uma realidade paralela, é
nele que os estudiosos da paranormalidade se fiam para encontrar a raiz
dos fenômenos que pesquisam.
Vamos ver. Como a ciência convencional poderia explicar a precognição,
por exemplo? Para a astrofísica Elizabeth Rauscher, que já deu aulas na
Universidade Stanford, foi consultora da Nasa e hoje se dedica à
"psiência" (sim, a ciência dos fenômenos psi), quem pode explicar isso é
o próprio Einstein.
Sua Teoria da Relatividade mostrou que o tempo não é o que parece,
certo? Então. No mundo de Einstein, o mundo como ele é de verdade, é
como se toda a história do Universo estivesse em um rolo de filme. O
primeiro frame seria o momento do big-bang. Lá no meio estaria o nosso
presente. E o futuro completaria o resto do rolo. Só tem um detalhe: os
frames que formariam o futuro já estão lá. Você não sabe se vai sair no
fim de semana ou não? Quem pudesse olhar o Universo pelo "lado de fora"
saberia. Isso já está definido, gravado nos "frames" do espaço-tempo.
Desde o início dos tempos. Não parece, mas a realidade é assim mesmo.
Bom, se os eventos do futuro já estão impressos de alguma forma, a gente
não poderia ter algum sentido capaz de captar o que está por vir?
Alguma forma de enxergar, ou de sentir, o que está nos frames lá na
frente? É exatamente isso que Rauscher e outros entendidos em física e
chegados em parapsicologia ao mesmo tempo imaginam. Se o futuro já está
escrito, alguém poderia nascer com o talento de ler o que está lá.
Enquanto Einstein fica com a explicação para as premonições (e se revira
no túmulo por isso), telepatia e telecinese se apoiam na mecânica
quântica. Mais precisamente no fenômeno mais inexplicável desse ramo da
ciência: uma espécie de telepatia entre partículas. Os físicos chamam a
coisa de "entrelaçamento quântico" - uma propriedade que, apesar de
estar 100% comprovada, ainda parece obra do além.
Funciona assim: os físicos pegam duas partículas fundamentais (como
elétrons) e, quando mexem em uma delas, a outra se move também.
Instantaneamente, sem que haja nada as unindo. Isso funciona mesmo se um
elétron estiver no Brasil e o outro na Groenlândia.
Pergunte para qualquer físico por que essa conexão existe. E ele será
leviano se disser algo além de "não faço ideia". É um mistério.
E um prato cheio para alguns parapsicólogos. Se elétrons podem se
comunicar (ou seja lá o que for) a distância, então as partículas do
cérebro também poderiam interconectar-se com as do mundo exterior. E,
por que não, fazer com que raios de luz se movam, transmitir
pensamentos... "Pela teoria do entrelaçamento, as experiências psi não
são mais vistas como poderes que, como mágica, transcendem os limites
físicos. Viram uma consequência inevitável de nossa realidade
interconectada", diz o parapsicólogo Dean Radin, um dos defensores mais
ferrenhos dessa "paranormalidade quântica", em seu livro Mentes
Conectadas.
Então tudo certo. A paranormalidade já está praticamente provada por
várias pesquisas e, de quebra, as teorias mais sofisticadas da física
ajudam a explicar como telepatia, telecinesia, premonição e cia.
funcionam. E é isso aí.
Agora pare.
O que você leu até aqui é verdade. Mas não toda a verdade.
O lado dos céticos
Vamos voltar às experiências pioneiras de paranormalidade, as de Joseph
Rhine. De 800 tentativas, seus voluntários acertaram 207 - contra 160 do
que a estatística esperava. Ou seja: 26% contra 20%. Mas tem um
problema aí: a estatística prevê esses 20% para um número infinito de
tentativas. Quanto menos houver, maior a chance de desvio no resultado.
Por exemplo: se você faz o teste e consegue acertar 10 vezes o naipe da
carta escondida, vai ter um índice de 100%. Absurdamente maior do que as
chances naturais. Conforme você tenta adivinhar mais vezes, a tendência
é que o número vá se aproximando dos 20%. E fica a questão: até que
ponto 800 tentativas com 26% de acerto são o suficiente para dizer que
você leu a mente de alguém? Isso vale alguma coisa? Para qualquer
cientista que não leve a sério a parapsicologia (a imensa maioria), a
resposta é não.
O mesmo valeu até hoje para todas as pesquisas sobre a paranormalidade. O
desvio de luz de Garret Moddel, do ponto de vista dos outros
cientistas, estava dentro da margem de erro de seus equipamentos. E o
resultado das experiências com premonição de Darryl Bem, apesar de
parecerem fortes (com 1 chance em 111 de acontecer), podem ser lidos de
outra maneira: ele conseguiu 53% de acertos contra chances estatísticas
de 50%. Lendo dessa forma, a coisa não parece tão surpreendente. "Os
índices de acerto nessas pesquisas sempre ficam na borda da base
estatística", afirma o neurocientista Renato Sabbatini, da Unicamp,
fundador da Sociedade Brasileira de Céticos e Racionalistas.
Mas e a relatividade e a mecânica quântica, não dão uma força aos
fenômenos psi? A resposta aqui é uma questão de fé. Fé que aconteça uma
revolução do conhecimento tão grande a ponto de derrubar certezas
científicas de hoje. Uma dessas certezas, comprovadas por mais de um
século de pesquisas, é que as loucuras quânticas só funcionam no
microcosmo das partículas - e põe microcosmo nisso: se um elétron
tivesse o tamanho de uma bola de pingue-pongue, você seria um pouco
maior que o diâmetro do sistema solar. E a teoria quântica aceita que
coisas como o entrelaçamento só podem acontecer mesmo nesse mundo
infinitesimal. Na escala das coisas grandes efeitos desse tipo evaporam.
Deixam de existir. Imaginar, então, que algo enorme como um cérebro
conseguiria "conectar-se" com outro por entrelaçamento não faz sentido
para a ciência convencional - pelo simples motivo de que as experiências
de laboratório indicam o contrário.
Com a justificativa física para a premonição é a mesma coisa. A
relatividade mostra, de fato, que o espaço e o tempo são como um grande
rolo de filme, em que o futuro já está impresso. Mas não há nada na
teoria nem fora dela mostrando que dá para o cérebro ter acesso a
regiões do espaço-tempo que não sejam o que chamamos de presente. Futuro
e passado continuam inacessíveis. Nada disso significa que os
pesquisadores dos fenômenos psi sejam charlatães ou burros. O ponto é
que, no estágio em que ciência está hoje, ainda não existe nada que
corrobore suas teorias. E seus experimentos, que não têm nada de
desonestos, precisam de resultados mais consistentes do que os que
apareceram até hoje para que a ciência convencional os leve realmente a
sério. Os próprios estudiosos da paranormalidade concordam. Mas também
se defendem: "Só porque não sabemos como um fenômeno funciona, não é o
bastante para parar de estudá-lo", diz Garret Moddel.
Outra coisa que não ajuda é a profusão de picaretas. Os paranormais mais
famosos, como o entortador de colheres Uri Gueller e Thomaz Green
Morton, o cara do "Rá!", foram desmascarados há tempos (veja os quadros
ao longo desta reportagem). Sem falar que até hoje ninguém conseguiu o
prêmio de R$ 1 milhão que o mágico James Randi oferece há décadas para o
primeiro que conseguir demonstrar poderes paranormais nos laboratórios
de sua fundação.
Tudo isso, porém, não muda um fato: a ideia de paranormalidade fascina. E
boa parte das pessoas continua vendo exemplos do sobrenatural em coisas
do dia-a-dia mesmo. Principalmente nas coincidências, como se elas
teimassem em dizer que, sim, existe algo mais entre o céu o e a Terra.
Mas isso também tem motivo.
Veja: alguns sonhos são muito comuns (sim, sabemos que você já sonhou
que foi para a escola sem roupa). Outros são menos. Desastres de avião,
por exemplo. Se você sonhar com a queda de um e isso acontecer no dia
seguinte, a sensação de que você teve uma premonição vai ser mais forte
do que qualquer vontade de não acreditar em premonições. Mas será uma
ilusão. "Supondo que existam uns 2 mil temas de sonhos razoavelmente
comuns e que desastre de avião seja um deles, basta que apenas 10% dos
quase 200 milhões de brasileiros se lembrem dos sonhos que tiveram na
noite anterior e já temos uma chance de pelo menos 10 mil pessoas
sonhando com aviões caindo todos os dias", diz o estatístico Osame
Kinouchi, da USP. Ou seja, improvável mesmo seria ninguém "prever" a
queda de um deles.
Outras coisas que parecem absurdas são bem mais possíveis do que
parecem. Por exemplo: num bar com 23 pessoas dentro, qual a
probabilidade de que duas delas façam aniversário no mesmo dia? Errou
quem chutou baixo. A matemática da coisa é um tanto complexa para caber
aqui. Mas garante: são gordos 50% de chance.
E quando você escreve um e-mail para um amigo e, na hora de dar o send,
pipoca uma mensagem dele na sua tela? Parece telepatia, principalmente
se vocês não trocam mensagens frequentemente. Mas, pelos cálculos de
Kinouchi, as chances de que duas pessoas que trocam míseros 6 e-mails
por ano enviem suas mensagens um para o outro no mesmo minuto é de
apenas 1 em 100 mil. "É mais fácil que ganhar na Mega-Sena, algo que
sempre acontece para alguém. Ou de ser morto por um raio, coisa que mata
200 pessoas por ano", afirma. Se considerarmos que existem 1 bilhão de
usuários de e-mail no mundo (na verdade são mais), essa incrível
coincidência acontece para cerca de 10 mil pessoas a cada ano, ou 27 por
dia.
Agora que tal ganhar na loteria duas vezes? Segundo matemáticos da
Universidade Harvard, num universo de milhões de pessoas que compram
vários bilhetes cada, a chance de que alguma delas fature duas vezes é
de 1 em 30. Resumo da ópera: a estatística prova que coisas fora do
comum acontecem com uma frequência relativamente... comum! Não têm nada
de transcendental. Mas tem outra: apesar de tudo isso, uma coisa nós
podemos garantir: você ainda vai ser paranormal.
Tecnologia paranormal
Vai sim, pelo menos no que depender da tecnologia. Em abril deste ano, o
estudante de engenharia biomédica Adam Wilson realizou um feito
incrível frente a milhares de testemunhas: pela primeira vez na
história, escreveu e enviou uma mensagem pela internet usando apenas o
cérebro. Não foi truque.
O que Wilson usou foi um capacete com eletrodos, capaz de ler ondas
cerebrais exatamente como os aparelhos de eletroencefalograma, ou EEG.
Conectado a um computador, quando as letras que o cientista queria
digitar apareciam na tela, a máquina reconhecia uma alteração nas ondas
cerebrais e passava a informação adiante. Foi assim que ele postou a
frase "usando EEG para enviar mensagem" no Twitter. A ideia é
possibilitar que pessoas que perderam a fala e os movimentos voltem a se
comunicar.
Antes de isso virar um produto, já vai dar para movimentar objetos com o
poder da mente. Graças ao Force Trainer, um brinquedo que deve chegar
no final do ano. Ele também usa o capacete de eletrodos. Aí, com ele na
cabeça, basta se concentrar - não importa em quê - para a bola subir ou
descer. Quanto mais você se concentra, mais ela sobe. Se distraiu? Ela
cai. O truque mora aqui: quando você se concentra, seu cérebro emite
ondas dentro de um certo padrão, diferente do normal. Aí, quando o
sistema detecta isso, faz um ventilador se mover. E ele levita a
bolinha.
O brinquedo dá uma pequena amostra do que pode ser feito com a
neurotecnologia. Combinando engenharia e medicina, essa área da ciência
inaugurou a era da telecinesia eletrônica. No ano passado, por exemplo,
um robô andou em uma esteira no Japão comandado pelas ondas cerebrais de
uma macaca nos EUA. O feito é da equipe do laboratório que o brasileiro
Miguel Nicolelis dirige, na Universidade Duke (coincidência: a mesma
onde Joseph Rhine começou suas pesquisas). "Com essa interação
cérebro-máquina, vamos fazer pessoas que perderam os movimentos andar em
menos de 30 anos", disse o pesquisador brasileiro. Gostou? Ah, você
ainda não viu nada.
Nada como o colar telepático. Ele manda mensagens direto da sua mente
para um celular, sem que você precise falar nada. O colar capta sinais
da sua garganta e os manda diretamente para um computador que converte
os impulsos em palavras, que são pronunciadas por uma voz
computadorizada pelo telefone. Isso porque só de pensar em dizer alguma
coisa, seu cérebro já manda sinais nervosos para as cordas vocais. Por
enquanto o aparelho é só um protótipo e não é fácil fazê-lo interpretar
exatamente o que você quer dizer. Mas, se ele evoluir bem, poderá fazer
gente que perdeu a voz voltar a falar. Pelo menos por telefone ou com
alto-falantes. E o mesmo princípio está por trás do projeto militar
americano Silent Talk (conversa silenciosa), já que telepatia pode ser
bem útil no campo de batalha. O governo do país reservou US$ 4 milhões
para a pesquisa (bem menos do que tinha gasto procurando paranormais de
verdade!). Como disse o escritor de ficção científica Arthur Clarke:
"Qualquer tecnologia avançada o suficiente é indistinguível de mágica".
Pois é. E agora isso vale para a paranormalidade também. Sem mistério.